domingo, 20 de abril de 2014

VILMA FRACCAROLI, UMA ESTRELA DE BRILHO EFÊMERO NA ÓPERA PAULISTANA

                       Em 1994, por força de minha profissão, fui chamado a uma residência de Curitiba para ver uns discos e livros e onde conversei longamente com uma senhora adorável. Falamos de música, ela notou meu interesse pela arte de Euterpe e pela memória e, com andar decidido, foi até o quarto mais no interior da casa e voltou com uma pasta contendo o que ela tinha possivelmente de mais precioso.  Era o relicário de sua vida como artista, nos distantes anos quarenta e cinquenta, um período em que, muito jovem,  vira as luzes da ribalta, o sucesso lhe sorrir, as palmas das platéias de teatros de ópera e auditorios das rádios de então.Ela provara o gosto do sucesso que tantos procuram e não encontram.
                      Naquela época era comum os grandes cantores incluírem o Brasil nas suas turnês pela América do Sul, normalmente passando pelos Teatros Municipais de São Paulo e Rio para terminar no Colón de Buenos Aires. Curitiba às vezes fazia parte do roteiro desses artistas da ópera e da opereta, que faziam aquele gênero misto entre o popular e o clássico e que também incursionavam pelo cinema. Assim tivemos em nossos teatros Tito Schippa, Gigli, Jan Kiepura, Martha Eggert, entre muitos. Mas isso não vem ao caso.  Em 1950, o legendário barítono Gino Bechi apresentou-se em São Paulo e - pasmem - a nossa humilde e tranquila anfitriã daquela tarde fora a escolhida para cantar com ele em diversas casas de ópera da paulicéia, como mostrava a copiosa documentação que fui folheando com olhos admirados. Isso não era pouca coisa, ela devia ter sido muito talentosa, tido uma bela voz. Os discos em acetato,três originais únicos, com quatro músicas em seis lados que mostravam a arte da Vilma Fraccaroli na sua mocidade foram a cereja do bolo naquela tarde de descoberta. Ela havia cantado na Radio Excelsior com o famoso barítono e registraram sua voz nos acetatos, o que foi uma verdadeira fortuna, porque não existissem, nunca poderíamos saber das cores sensíveis e das coloraturas de que sua voz privilegiada e bela era capaz. Curitiba tem muita gente com histórias interessantes escondida em suas ruas, eu acabara de encontrar mais uma delas.

A HISTÓRIA

Vilma Fraccaroli em foto artística para divulgação, 1951

APRESENTAÇÃO DE VILMA EM SANTOS

APRESENTAÇÃO NA RADIO GAZETA EM 1946



APRESENTAÇÃO NA RADIO GAZETA, 05.6.1946

CONVITE DE FORMATURA DO CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO E MUSICAL DE SÃO PAULO - 1950

OS FORMANDOS



OS DISCOS GRAVADOS POR VILMA FRACCAROLI eram de acetato, em 78 rotações.  As rádios possuíam máquinas elétricas que gravavam discos, que eram feitos de alumínio, com uma finíssima camada de um material plástico. Não devemos confundir com  os discos 78 rpm convencionais, feitos de outro material, o shellac (em inglês), ou seja, uma espécie de goma-laca, mas que no Brasil se convencionou chamar de "discos de cera", de "carvão" e até erradamente de vinil, se bem que na última fase dos discos em 78 rpm, nos anos 60, se chegou a fabricar excelentes discos de vinil nessa velocidade. Mas os nossos discos são de acetato, um fina camada plástica em cima de um disco de alumínio. Como todos os discos do gênero,  são únicos, não são gravados em série, só existindo aquele exemplar, registrado no momento da gravação, normalmente um concerto, um show, um depoimento, uma festa, uma visita de um artista importante à rádio. Por isso quando encontramos um acetato devemos já saber que é um exemplar solitário, dele não existindo cópia. O grande problema dos acetatos é que o material que recobre o alumínio com o tempo vai rachando, ficando impraticável tocá-los e assim os discos se perdem. Então a salvação do material sonoro neles contido é premente, deve-se registrá-lo logo em outra mídia, outro suporte, para salvar logo o registro, que é o que importa,  antes  que se perca em definitivo.  Acontece mais ou menos a mesma coisa com os antigos filmes mudos, que se avinagram, se estragam !  Vejam que os três discos registrados por Vilma Fraccaroli já estão sofrendo deterioração, observem os descascados que já começam a aparecer, mostrando o alumínio do disco de metal sob o frágil acetato.   Duro é o trabalho dos cuidadores da memória !

   

O PRIMEIRO DOS ACETATOS REGISTRADOS NA RÁDIO EXCELSIOR, COM  A CANÇÃO DA SAUDADE, DE  ALBERTO COSTA  ORQUESTRA SOB A REGÊNCIA DE SPARTACO ROSSI, junho de 1950



O DIPLOMA DA SOCIEDADE AMIGOS DA ÓPERA





        

A APRESENTAÇÃO PARA A SOCIEDADE ARTISTAS UNIDOS



OS CONCERTOS COM GINO BECHI EM JUNHO DE 1950 




VILMA FRACCAROLI E GINO BECHI





O SEGUNDO REGISTRO EM ACETATO, UNA VOCE POCO FA, DE ROSSINI - orquestra sob a regência de Spartaco Rossi, junho de 1950.




O SCRIPT PARA A APRESENTAÇÃO DO PROGRAMA NA RÁDIO EXCELSIOR, COM A DEDICATÓRIA DE MARIO DONATO, SEU DIRETOR - 22.6.1950








O TERCEIRO REGISTRO EM ACETATO, SAPER VORRESTE, DE VERDI 


APRESENTAÇÃO EM RIBEIRÃO PRETO





O BOLETIM DA RÁDIO EXCELSIOR FALANDO DE VILMA




O QUARTO E ÚLTIMO REGISTRO, UMA LINDA BERCEUSE,"NINA NANA"





O DIÁRIO DE NOTÍCIAS DE RIBEIRÃO PRETO DE 01-6.1951

VILMA RECEBE O DIPLOMA DE PIANISTA NO ANO DE 1953





VILMA VAI À EUROPA PARA APERFEIÇOAR A ARTE DO CANTO






              E assim termino com uma interrogação: o que aconteceu para que Vilma interrompesse sua trajetória luminosa ?  Assim como ela não me falou, acredito que nunca saberei  Terá sido o casamento, final com que muitas carreiras de cantoras termina ?  Algum professor ou professora tirana ter-lhe-á podado a vocação, a vontade de cantar lá na Itália - sabendo que na história de muitos cantores esses seres miseráveis existem...    Ou teria perdido sua voz, calando-se para sempre o nosso rouxinol ?  Nunca mais tive contato com Vilma Fraccaroli, apesar de ter pesquisado muito na internet.  Não sei se ainda vive ou se tem descendência.  Acho que seus filhos, se os teve,  ficariam muito felizes com esta postagem. Que a sorte os faça encontrar-nos por aqui, gostaria de conhecê-los.

Paulo José da Costa




Paulo José da Costa
compra e recebe doações de acervos de postais e fotos antigas, inclusive álbuns de família
para arquivo particular
Proteja a memória, ensine as crianças a amar as fotografias. 
41 88050624
paulodafigaro@hotmail.com
https://www.facebook.com/paulojose.dacosta

4 comentários:

  1. Prezado Paulo,

    Meu nome é Carlos e sou filho de Vilma Palmyra Fraccaroli, que após casada, chamou-se Mellinger.

    Primeiramente, não tenho como agradecer essa pérola que você postou. Nem nós tínhamos tais documentos. Claro, que as histórias dos concertos sabia, pois dos filhos, sou o que gosta de música erudita, e conversávamos muito sobre isso.

    Minha mãe faleceu aqui em Londres, no dia 5/2/2011. Depositei as cinzas, a pedido dela, no Lago di Garda. Estava feliz, e teve uma velhice tranquila. Após encerrar a carreira por motivos vocais, venceu o câncer e dois enfartos. Sempre foi forte e quando cantarolava no prédio onde morava, os vizinhos ficavam admirados. A pequena cerimônia de funeral teve fundo musical dela mesma, posso enviar os tracks se quiser incorporar aqui.

    Mais uma vez, muito obrigado pela postagem, em nome de toda família.

    Abração forte,

    Carlos

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Adoraria ter esses registros, Carlos. Qualquer outra coisa que quiser complementar, o post está aberto para vocês da família. Qualquer coisa. Estou contente por tê-los encontrado e por tê-los deixado felizes com essa lembrança.Sua mãe era um verdadeiro talento. Uma voz divina. Um grande abraço e seja muito feliz. paulodafigaro@hotmail.com

      Excluir
  2. "Acho que seus filhos, se os teve, ficariam muito felizes com esta postagem. Que a sorte os faça encontrar-nos por aqui, gostaria de conhecê-los."

    Encheu meus olhos d'água! Só tenho a agradecer. De coração.

    O que aconteceu com Vilma Palmyra Fraccaroli? Por ter sua voz sido explorada desde muito nova, findou por perdê-la com o passar dos anos. Nessa época vivia na Vila Conde de Sarzedas (que hoje nem existe mais) no Glicério em São Paulo. Passou a lecionar piano e canto orfiônico. Naquela época teve um aluno com quem se casou, Jorge Gabriel João Mellinger; e passou a chamar-se Vilma Palmyra Mellinger. Tiveram três filhos, eu (Sergio) e quatro anos mais tarde gêmeos (Paulo e Carlos).

    Após o divórcio viveu um tempo em Caxambú - MG; mudando-se depois para Curitiba (onde o cavalheiro a conheceu). Depois disso, por Carlos (o filho mais amado) ter se mudado para Orlando - FL, acompanhou-o e por lá permaneceu alguns; até que ao avanço da idade já estava cansada de suas saídas e entradas nos EUA para a renovação do visto. Convidei-a para que viesse então ao Reino Unido (já que possuía a cidadania italiana) e gozasse o prazer de passar o final de sua vida na Europa. Acabou vendendo a casa de Orlando e mudou-se para Londres, conquistando um espaço seu em um Shelter Housing no melhor bairro de Londres (Hempsted).

    Mamãe faleceu no dia 05 de fevereiro de 2011.
    https://groups.google.com/forum/#!topic/brasileiros-no-mundo-estocolmo/A4lxtoGzYFo

    Seus três filhos chamam-se:
    Sergio Mellinger;
    Paulo Mellinger;
    Carlos Mellinger.

    Ah sim! Sua neta (minha filha) Thais dos Santos Mellinger também e soprano ligeiro. Com mestrado pela Royal Academy of Music.
    Se aprecia o teatro musical da atualidade existem alguns vídeos da Thais em ((( thaislovestosing no YouTube ))).

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sérgio, tive o prazer de assistir os vídeos de sua filha Thaís. Ela realmente foi a primeira a me escrever contando sobre vocês. Se um dia passarem por Curitiba, não deixem de me contatar, podemos almoçar juntos e eu lhes mostrarei o material de sua mãe e avó. Um abraço.

      Excluir